Depoimento do Padre Euthychio, Maçon no ano de 1872 ...
Colaboração do Ir.'. Paulo Pestana - Advogado
03/12/2012

 

* Torna-se necessário esclarecer, antes de quaisquer considerações a respeito deste ilustre Maçom, que Pe. Euthychio foi primeiramente “colocado” dentro da Maçonaria a pedido do Vaticano e dos Bispos da época, ou seja, do Clero, como uma espécie de espião” a fim de verificar tudo o que se passava dentro da Instituição Maçônica, isto é – nossos Augustos Mistérios - A Arte Real, para, por fim, revelá-los à Igreja, para que ela tivesse argumentos a condenar e expurgar todo e qualquer Maçom praticante do Catolicismo. Contudo, a história não decorreu bem assim, pois o Ilustre e Saudoso Irmão percebeu que dentro de nossa Antiga e Honrada Instituição nada de mais há – e foi o que ele relatou ao alto clero da época. Os bispos não acreditaram e argumentaram que Pe. Eutychio estaria se voltando contra a Igreja Católica por uma Instituição, para a Igreja, não sagrada. Afirmando que não e que nunca abandonaria seus votos de sacerdote, a Igreja determinou que ele escolhesse: ou que ele deixasse a Maçonaria ou que ele deixasse o sacerdócio. O Sapientíssimo Irmão escolheu a Maçonaria e, a partir de então, deixou a batina, mas sempre manteve seus votos sacerdotais, mesmo dentro da Maçonaria. A seguir serão expostos relatos da época feitos pelo próprio padre. Adiante entender-se-á o motivo do Irmão Pe. Euthychio Pereira da Rocha ter feito sua escolha pela Maçonaria.

 

“Belem do Pará, 1 de dezembro de 1872

A data desta declaração mostra que estou no pleno goso das minhas faculdades.

Mas como é possivel ter uma morte, tão desgraçada (segundo o papel do bispo, a Boa Nova) (*), como a do meu dedicado amigo, o conego Ismael, mas, no meu entender, menos desgraçada do que a do virtuoso bispo de Pernambuco, o D. Emmanuel de Medeiros, quero prevenir difficuldades e tomar uma posição definida, como exige o D. Macedo Costa, si é que a meu respeito elle póde ainda nutrir duvidas, ou esperanças da hora extrema, em que descido tão baixo o thermometro da intelligencia tem desapparecido o homem:... E nessa hora elles fazem dizer a um cadaver o que elles querem, para cantarem mentidos triumphos!

Pertenci, na melhor fé, á Igreja catholica apostolica romana. Não concebia até a possibilidade de se deixar de ser catholico apostolico romano.

Começou a minha desconfiança com a louca pretenção de provarem com o Regnum meum non est hoc mundo a Divina Instituição, ou conformidade do poder temporal dos papas com a mente de Jesus Christo! Foi o primeiro golpe na boa fé, em que se suppunha esses homens, que fallão em nome de Deus.

Irritou-me a malicia com que traduzirão o cap. 1o. da sessão 14a. da Reformata, para armarem os bispos de um poder absoluto e que tanto se presta a abusos.

Para privar um padre do exercicio das ordens, não póde haver a mesma facilidade com que se recusa a aspirantes a entrada para o sacerdocio. E para a reforma dos costumes não era mister tanto arbitrio; a mente dos padres de Trento foi corrobora a disciplina prohibindo que fossem reintegrados por qualquer outro os padres, que os bispos tivessem suspendido pela maneira então em pratica --- o processo.

Estas e outras questões, que vi tratadas pelos representantes de Deus, inspirarão-me como disse, as primeiras suspeitas. O Syllabus, o D. Antonio de Macedo Costa, e o concilio do Vaticano, empurrarão-me da Igreja romana.

A que Igreja pertenço hoje?

Á Igreja catholica romana de antes do Syllabus, de antes dos bispos Macedos Costas, de antes do conciliabulo jesuitico do Vaticano.

Que dirão desta igreja a que pertenço os degenerados catholicos, os servos humilissimos do jesuita, os bispos-capachos de Loyola, os papas-cadaveres? Digão o que quizerem. Eu creio (e talvez elles rião da minha crença), creio na imortalidade da alma, na justiça de Deus e em Jesus-Christo, e nesta fé cá os espero para o ajuste de contas.

O Syllabus está julgado; não é preciso que me demore em mostrar que isso não faz catholicos, mas anti-romanos.

O bispo D. Antonio de Macedo Costa está desmascarado; todos no Pará reconhecem-lhe o pharisaismo, a vaidade, o orgulho, a doblez, a avareza, a mentira com que se apregoa reformador do clero, quando quaesquer 50$000 bastão para fazel-o divinisar os devassos de pouco antes; e a sua moral tem equivocos...

O conciliabulo do Vaticano foi apenas vergonhosa chancellaria das imposições jesuiticas. Esses bons bispos virão no Evangelho o que ha 19 seculos não virão tantos santos padres e papas! Quantos papas forão accusados de erros?! Entretanto procurou-se defendel-os com explicações, mais ou menos felizes, dos seus actos e decisões, quando era facillimo emudecer as acusações com a infallibilidade. Era, mesmo, uma necessidade indeclinavel definir esse dogma (si em verdade elle o era) atacado por estas accusações e pelas formaes reticencias ás decisõs dos papas nas questões da Rebaptisação e da celebração da Paschoa. Mas a Igreja nunca se resolveu a definir esse dogma apesar da necessidade, tantas vezes manifestada, dessa definição; e S. Paulo chegou a reprehender ao proprio Pedro, e dizer-lhe: Errastes! S. Paulo não comprehendia o Evangelho; a Igreja primitiva não o entendia! A Pio IX e aos seus bispos estava reservada a gloria do Eureka! desnecessidade, inopportunidade, quebra da unidade catholica.

--- Que sou maçon não é preciso dizel-o; ninguem o ignora porque, se não fazia alarde desta honra, não me escondia nem disfarçava para entrar na officina.

Iniciei-me, sem que para isso fizesse esforços nem pedisse. Amigos apresentarão-me, e eu accedi aos seus desejos; queria, tambem, julgar por mim, da verdade das accusações feitas a esta instituição, e do fundamento das excommunhões papaes.

Disposto a renunciar a maçonaria, si ella atacasse as minhas crenças catholicas, vi destruida esta disposição; e hoje que a maçonaria não póde ter mysterios para mim, vejo que essas excommunhões nada valem por falta de fundamento e base, e são mais uma prova da infallibilidade dos papas, e da justiça e razão com que elles ou os seus exigem que um padre não seja maçon, porque contra o que lhe attestam os seus olhos e a sua intelligencia, um papa lhe diz que não seja ou não continue a ser maçon (**).

Ora, sendo sem base as excommunhões aos maçons, ficam como as excommunhões injustas, que, embora separem do corpo da Igreja o excommungado, não o separam do espirito da Igreja nem ligão perante Deus. Póde, portanto, segundo a theologia, estar no céo entre os bemaventurados tal individuo, cujo corpo seja ahi atirado aos cães, e cuja memoria continue diariamente atassalhada pela gente da Boa Nova.

O que levo dito, é mais que sufficiente para que o zelo dos phariseos de hoje me recuse a sepultura, que elles chamão ecclesiastica, mas para a qual nada contribuirão.

A provincia completou a iniciativa particular, para que os que aqui morressem, sem sepultura propria, como os protestantes e os hebreus, tivessem um cemiterio; exigia-o a civilisação e a hygiene. Porém a benção do clerigo poz uma condição na obra da civilisação e da hygiene! Era mais um meio de proselytismo.

Todavia, não quero lucta por isso. A sepultura de Jesus Christo não era ecclesiastica, não teve benção, como não a tiverão as dos Apostolos e dos martyres e dos primeiros christãos. E por outro lado, a lucta elles a estimão embora se mostrem arrufados, porque lutar por uma cousa é dar-lhe apreço, é morrer de amores por ella.

Os meus irmãos da Harmonia, ainda na sessão de quinta feira, 28 do passado Novembro, me ouvirão a este respeito: executem o que lhes pedi nessa noite. Fação-me o enterro com os meios que deixo á disposição da officina, sem dispendio da gente que foi minha familia, com a maior simplicidade, mas não me deixem ir solitario. Batão á porta do cemiterio protestante, a ver se querem receber morto o que vivo militou em arraiaes contrarios. Recorrão depois aos hebreus. E si a intolerancia romana os tiver tambem eivado ... resta um largo qualquer, uma capoeira, o Guajará.

Para justificar completamente o Sr. D. Antonio e livral-o de algum desmentido que possam dar-lhe meus escriptos, quero que sejão queimados tres livros, para onde passei todos os artigos, que sobre materias religiosas publiquei na Trombeta do Sanctuario, no Grão-Pará, Communicador e Jornal do Amazonas, sobre o Holden.

Fiquem somente, para não perturbar-se o somno em que dorme a consciencia do Sr. Macedo Costa, os meus artigos hereticos em communicados no Jornal do Amazonas, e da collaboração do Liberal do Pará.

Quero ser enterrado com as vestes que tomei e com que me apresentei em publico, sómente depois que o Sr. D. Antonio entendeu que a sua ex-informata me inhabilitava, até, para ser guarda do convento do Carmo, obrigando ao governo e ao nuncio a exigirem do provincial a minha exoneração. Este capricho foi precedido de outro não menos pueril.

Como não quiz estar por um recado, e exigi por escripto a ordem que elle mandava-me para fazer consumir o Santissimo Sacramento no Carmo, vio o bispo um horrivel casus belli, um Catilina ás portas de Roma, e poz em movimento o presidente De Lamare e o chefe de policia Dr. Rodrigues! E apezar de ser assegurado, por estes, de nenhuma opposição da minha parte, fez-se acompanhar ao Carmo pelo delegado de policia o Dr. .Lobato! Ha de morrer criança a mais brilhante tocha do episcopado brasileiro. Cahiu-lhe nas garras a Igreja do Carmo, o Asylo ... mas escapou-lhe o objecto principal dos seus anhelos: as alfaias, as fazendas e os escravos.

É provavel que, ao saber que estou morrendo, o Sr. D. Antonio me faça a visita funebre (unica, que elle faz aos padres) ou mande algum dos seus a converter-me, para gloria, não de Deus que não entra nos seus calculos, mas do seu partido. Si então eu estiver senhor de mim e capaz de polemicar,, deixem-me desfructal-o; no caso contrario não o deixem a sós commigo; o homem sahirá proclamando a minha mortal apathia por acquiescencia ás suas insinuações. Não tenho retractações a fazer, nem conversões, pois que nunca tive que renegar o symbolo dos Apostolos nem o de Nicéa.

(a) Padre Eutychio Pereira da Rocha”

O padre Eutychio Pereira da Rocha, além de muito considerado entre os católicos do Pará, era um maçom destacado e um semeador de Lojas; a Loja Harmonia, de Belem --- citada no texto --- onde o senador, general e Grão-Mestre Lauro Sodré foi iniciado (a 01/8/1888), teve este sacerdote como um de seus principais fundadores, mestres e Veneráveis, em 1856.

Essa carta, que o Boletim Oficial do Grande Oriente do Brasil publicou, em setembro de 1880, no 9o. ano de sua circulação, foi escrita na época da Questão Religiosa, que, embora tenha sido uma questão entre o alto clero e o governo imperial, em torno do padroado e da submissão da Igreja ao Estado, acabou envolvendo a Maçonaria brasileira --- então bipartida entre o Grande Oriente do vale do Lavradio e o do vale dos Beneditinos --- a partir do discurso que o padre (maçom) Almeida Martins proferira, a 2 de março de 1872, em homenagem ao Grão-Mestre do G.O. do Brasil, o visconde do Rio Branco, pela aprovação da lei de 28 de setembro de 1871 (Lei Visconde do Rio Branco, chulamente chamada de “Lei do Ventre Livre”) (***).

Embora a carta seja datada de 1872, o jornal “O Liberal do Pará”, que a publicou, afirmava que, na realidade ela fora escrita em 1876. Todavia, pela sua leitura, no que concerne às referências ao bispo D. Macedo Costa, um dos líderes da Questão Religiosa, parece, mesmo, que ela é de 1872. Ela foi entregue, pelo padre Eutichio, poucos dias antes de seu falecimento, ao seu amigo D. Vicente Ruiz, acompanhada da permissão escrita para que ela fosse publicada, caso essa publicação fosse julgada conveniente.

Eutichio, alem de respeitadíssimo, como padre e maçom, era amado pelo povo do Pará, em função das obras sociais que desenvolveu. Quando de seu falecimento, o seu corpo, vestido de casaca, luvas brancas e gravata, alem das insígnias do 33o. grau e de Delegado do Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil, foi velado na Loja Firmeza e Humanidade, para, depois, ser conduzido ao cemitério de Santa Isabel. Neste trajeto, foi acompanhado pelos alunos da Escola de Infância Desvalida --- criada graças aos seus esforços --- por comissões de todas as lojas maçônicas, representantes da imprensa paraense e do clero e por mais de mil pessoas.

O “Boa Nova” era um jornal eclesiástico do Pará --- da diocese --- e, obviamente, cerrou fileiras em torno do bispo do Pará, D. Antonio de Macedo Costa, em sua questão contra o governo imperial e nos seus ataques aos maçons. O Boletim do Grande Oriente do Brasil, do Ano III, novembro de 1874, publica, a respeito dele, a seguinte nota:

“No Globo, de 13 de novembro corrente, lêmos o seguinte telegramma:

“Pará, 12 de novembro, às 9 horas e 50 minutos da manhã.

A Boa Nova publica as actas das reuniões que effectuou o clero nos dias 2, 3 e 4 do corrente. Por estes documentos se vê que n’ellas foi decidido que se organisasse um partido composto dos membros d’aquella corporação, o qual procurará influir directamente na politica do Estado. Para tomar as medidas necessárias e de accordo com tal resolução, foi nomeada uma commissão composta dos conegos Castilho Mourão, Barroso Couto e padre Simplicio”.

Entretanto dizem os sectarios de Roma que a Maçonaria é que intervem nos negocios do Estado e da Religião, e elles, que devião ser os ministros da paz e da concordia, como representantes da cruz e da misericordia, querem intrometter-se na politica, para que, galgando o poder, possão realizar os seus dourados sonhos de predominio e o immediato massacre dos homens de consciencia e de dignidade patriotica e desinteressada”.

Esse era o espírito da época, quando as paixões e a animosidade vinham à tona.

Esse trecho, um candente depoimento de um padre católico, sobre a Maçonaria, que ele conhecia tão bem e onde chegara ao mais alto grau do rito mais praticado --- o Escocês Antigo e Aceito --- mostra como era falsa a propaganda clerical que se fazia em torno das práticas maçônicas, considerando-as anti-religiosas, na esteira da ojeriza de Pio IX à Maçonaria, por conta da participação maçônica e carbonária na unificação da Itália, a qual trouxera, como resultado, a perda de grande parte do poder temporal do papa.

Nesse dia 2 de março de 1872, o padre José Luis de Almeida Martins, Grande Orador Interino do Grande Oriente, enaltecia a Maçonaria, em seu discurso de homenagem a Rio Branco. O discurso, publicado, no dia seguinte, pelos jornais, causou a reação do bispo do Rio de Janeiro, D. Pedro Maria de Lacerda, que, advertindo o padre, exigiu que ele se retratasse e deixasse o meio maçônico. Diante da recusa de Almeida Martins, o bispo o suspendeu, baseado na fala de Pio IX, por ocasião do Consistório de 1865. Isso acabaria desencadeando uma querela, a par da questão do clero com o governo imperial, na qual a Maçonaria entrou como Pilatos no Credo e serviu de pretexto, em muitas ocasiões. Em defesa do padre, uniram-se os dois Grandes Orientes, do Lavradio e dos Beneditinos, resultando um violento e ofensivo manifesto, redigido por Saldanha Marinho --- baluarte do anticlericalismo --- o qual só serviu para ajudar a azedar, ainda mais, as relações entre ambas as instituições e para aumentar a munição do clero, que, diante da violência do ataque, acabou posando de vítima.

 

Fontes:
http://www.freewebs.com/neidson1/depoimentodeumpadrem.htm
http://fraternidadeeamizade.blogspot.com.br/2012/12/depoimento-de-um-padre-macon-ano-de1872.html

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